quinta-feira, 7 de junho de 2012

A Sucessora - Capítulo 2

DEPOIMENTO DE EMBER



As amarras estão firmes, como sempre estiveram. A maior árvore do bosque continua sustentando o balanço, e continuo me sentando lá quando devo refletir. É um bom lugar, a árvore fica bem no alto de um monte, e de lá, consigo ver quase todos os Arvoredos da Vida. Alguns ainda pequenos, sutis e pouco copados, outros já crescidos, e com muita folhagem, ou melhor, com muitos pingentes, pois as folhas parecem mais com gotas de água congeladas.

Ultimamente, este tem sido o único lugar seguro para mim, onde todas as más lembranças, não parecem mais do que pequenos ciscos, que não fazem a menor diferença. Os Bosques Ocultos, e seu ar sempre fresco e úmido, são capazes de aniquilar tudo que te atormenta, e por um momento, parece que não existe nada mais do que aquela paisagem. As árvores luminosas e radiantes, se misturando as de tom azulado ou arroxeado. As flores de cores estonteantes que entram em perfeita harmonia com as cachoeiras de água turquesa. E o céu, ah o céu. De uma noite eterna, clara e acolhedora, coberta de estrelas. Como o Outono que se mistura à Primavera, em uma fusão surreal e inacreditável. Para todos os lados que se olha, existe apenas aquela visão. E qualquer um desejaria viver lá para sempre, se não fosse, claro, eu, a única a ter acesso. Não foi sem motivos que Aslam colocou todos os berços, ou seja, todos nossos lares, tão distantes das almas narnianas. Estamos lá desde sempre, e continuaremos até, quem sabe, depois do fim.

Como todas as outras, estou há muito tempo em Nárnia, então posso dizer com toda certeza, que nossa terra nunca passou por tempos tão difíceis. É complicado se conformar com eles acreditando, que o passado não passa de lendas, quando, na verdade, é mais real do que o que acontece agora.

Sou responsável pelos sonhos. Então, diferente de algumas de nós, estou forte e saudável. Não dependo deles para viver, e mesmo que dependesse, não mudaria nada. Todos os seres de Nárnia – não que saibam disso – são afetados pela falta de Aslam, e essa ausência, já completa quase um milênio. Sendo assim, nos sonhos é o único lugar onde podem se contentar, e faço questão de implantá-los, como se eu mesma fosse tê-los. Por causa desse trabalho, sei exatamente o que se passa nos corações de todas as almas narnianas. Até o pensamento mais profundo, residente da essência de seus seres. Através de tantos anos, percebi que até os bárbaros mais insanos, desejam uma Nárnia melhor. Até os líderes mais cruéis, desejam reinar em uma terra mais perseverante. E até aqueles, que por descendência, deviam crer na magia de Nárnia. Veem-na apenas como um mito.

Mas, enfim, tudo isso começou a mudar em uma doce manhã – eu pude perceber, pois, apesar de nos Bosques Ocultos ser sempre noite, a posição da luz muda – quando, enquanto sentada no balanço do monte, notei um Arvoredo da Vida, eu vivo nos Bosques Ocultos desde que fui criada, conheço cada canto daquele lugar, e tinha certeza, aquele arvoredo não estava lá no dia anterior. Dirigi-me até ele o mais rápido que pude, eu podia estar enganada. Mas não. Para chegar até lá tive que tomar um caminho que nunca usara antes para chegar a um Arvoredo da Vida. Passei por alguns cedros deslumbrantes e pelo rio que passava pelos bosques, notando as cavernas de pedras negras e lisas, onde tinha que recorrer, quando deveria implantar algum pesadelo, e finalmente cheguei. Pode pensar que era o arvoredo de um bebê que nascera durante a madrugada, mas não, recém-nascidos não tem arvoredos, mas sim pequenas mudas, que logo viram pequenas árvores – e consequentemente, crescem e morrem com eles – e sem pingentes. Este não, já era crescido, esbelto, e com uma copa maravilhosa. Há tempos não via algo tão incentivador. Eu estava correta, havia algo estranho lá. E isso se confirmou, quando peguei um pequeno pingente, e o vislumbrei. Foi então que tive uma surpresa, o sonho tinha imagens de algo que acontecera em Nárnia há milênios, eu bem me lembrava de como foi lindo o acontecimento, mas eu não poderia me distrair, aquele sonho não fora implantado por mim, e eu era a única em Nárnia que poderia fazê-lo. Segurei outros pingentes, seguidos de decepções, eu não havia implantado nenhum dos sonhos daquele arvoredo, mas alguns deles se referiam à minha terra. Então algo me veio à cabeça, era uma alegria tão extrema que mal podia conter dentro de mim, um alívio, que me fez soltar um longo suspiro, seguido de um sorriso de satisfação, que foi limitado por uma serena preocupação. Eu deveria avisar a Guardiã, informa-la rápido, e foi o que fiz. Chamei Thorine, um belo unicórnio branco, que logo apareceu. Ele nunca me deixava.

A viagem não foi longa, também, Thorine era rápido, e entidades como eu, podem realizar alguns truques. Logo estávamos na frente ao Palácio, muito mais belo do que me lembrava. Havia mais cor, mais vida. Os espelhos de que era feito estavam refletindo o Sol fielmente. Quando me notei, eu também estava mais viva, minha pele e meus olhos brilhavam mais. Agora tinha certeza, minha suspeita era real. A brisa tocou-me, fechei meus olhos, e senti, estou certa, que aquele era o sopro de Aslam. Ao descer de Thorine, as portas do Palácio se abriram, a Guardiã me esperava. Nós, fadas, temos uma aparência bem jovial, porém a Guardiã parecia mais adulta, mais velha que nós, mesmo não sendo. Ela sentira minha presença, e fora me receber. Eu devia parecer aflita, pois ela logo me perguntou, com a mesma voz sutil de sempre:

_Ember, o que houve? Faz muito tempo que não vem até aqui.

_Hoje, mais cedo – percebi que falava oscilando – um novo arvoredo, já crescido, com sonhos que não são meus. – Ela escutava atenciosa, como sempre, e não demonstrava espanto na expressão.

_Mas como? – disse calmamente – Não pode ser!

_Mas é. Eu confirmei. Pelo tamanho tem uns quatorze ou quinze anos. – ela abaixou a cabeça, parecendo pensar.

_Agora se encaixa. – disse ela, e fiz provavelmente um rosto de dúvida, pois ela continuou. – Sabe que algumas fadas já se foram. Essa manhã, pensamos que Glen havia se juntado à elas. Mas acaba de voltar, por ordem dele, afirmou.

_Por Aslam! Quer dizer que... – não terminei, havia outra coisa melhor para se falar – Ybelle. Você sabe que isso já aconteceu antes.

_Sim, Ember. Mas há milênios ninguém entra em Nárnia. – a fala confirmou que ela sabia do que eu falava.
_Talvez seja a hora. – e eu sabia que era

Depois de dizer essas palavras, notei uma presença atrás de mim, eu conhecia bem aquele debater leve de asas. Não fomos só Glen e eu, a sentir os sinais. Logo depois, muitas mais chegaram.

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